ação de prestação de contas

Ação de Prestação de Contas

Resumo (abstract): O presente artigo analisa a ação de prestação de contas no âmbito do Código de Processo Civil, disciplinada nos artigos 550 a 553. Trata-se de procedimento especial de natureza bifásica, destinado a assegurar a transparência na administração de bens e interesses alheios e a responsabilização patrimonial do gestor. Na primeira fase, o processo volta-se à verificação da existência do dever de prestar contas; na segunda, procede-se à análise das contas apresentadas e à apuração de eventual saldo, cuja decisão final possui natureza condenatória e constitui título executivo judicial. A pesquisa aborda a evolução normativa do instituto em comparação com o CPC/1973, destacando as inovações do legislador de 2015, que buscou maior clareza procedimental, efetividade e segurança jurídica. São examinados ainda a natureza jurídica híbrida da sentença, as interpretações da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e os principais posicionamentos doutrinários, bem como questões controvertidas, como a necessidade de interpelação prévia, a exigência de contas parciais, a utilização em contratos bancários e a compatibilidade com a arbitragem. Por fim, ressaltam-se as repercussões práticas do instituto em inventários, tutelas, curatelas, condomínios, sociedades, contratos fiduciários e relações bancárias, concluindo-se que a ação de exigir contas se consolidou como instrumento indispensável de transparência, boa-fé e governança jurídica no processo civil contemporâneo.

Palavras-chave: Ação de exigir contas; CPC/2015; Procedimento especial; Transparência; Responsabilização patrimonial.

Introdução ação de prestação de contas

A ação de prestação de contas ocupa posição singular no sistema processual brasileiro, sendo tradicionalmente utilizada como instrumento de transparência e responsabilização em relações jurídicas nas quais uma das partes administra bens, valores ou interesses de outrem. Trata-se de um procedimento especial que, embora já estivesse presente no Código de Processo Civil de 1973, foi substancialmente reelaborado pelo legislador de 2015 (Lei nº 13.105/2015), que buscou conferir maior racionalidade e efetividade ao rito.

O instituto revela sua relevância prática em um vasto leque de situações: nas relações de mandato, de tutela e curatela, em inventários, condomínios, sociedades empresariais, parcerias contratuais e, de modo geral, em todas as hipóteses em que um sujeito de direito administra patrimônio ou interesses alheios. Nessas circunstâncias, o dever de prestar contas decorre do vínculo fiduciário estabelecido, cuja violação pode gerar prejuízos materiais e insegurança jurídica.

A ação de prestação de contas apresenta uma peculiaridade procedimental: desenvolve-se em duas fases distintas. Na primeira, discute-se o dever de prestar contas; na segunda, procede-se à análise do conteúdo das contas apresentadas, apurando-se eventual saldo. Essa estrutura reflete a dupla função do instituto: ao mesmo tempo em que assegura o direito subjetivo de fiscalização por parte do titular, também concretiza a obrigação de ressarcimento ou reembolso quando constatado débito.

O CPC/2015 buscou conferir maior clareza e segurança a esse procedimento, disciplinando-o nos artigos 550 a 553. Dentre as inovações, destacam-se a previsão expressa do prazo para contestação, a forma adequada de apresentação das contas, a exigência de impugnação fundamentada e a natureza executiva da sentença que apura o saldo. O legislador ainda cuidou de estabelecer regime específico para administradores judiciais e extrajudiciais, como inventariantes, tutores e curadores, reforçando o caráter de tutela patrimonial do instituto.

A relevância do tema não se restringe ao plano normativo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem delimitando aspectos controvertidos, como o interesse de agir em contratos bancários, a necessidade (ou não) de interpelação prévia e os contornos da revelia no procedimento. Já a doutrina discute a natureza jurídica da sentença, a possibilidade de utilização da ação em hipóteses atípicas e as críticas ao seu alcance prático diante de outros mecanismos processuais contemporâneos.

Este artigo tem por objetivo analisar a ação de prestação de contas no âmbito do CPC/2015, explorando sua fundamentação normativa, estrutura procedimental, natureza jurídica da decisão, principais controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, bem como suas repercussões práticas. A partir dessa investigação, busca-se evidenciar a importância do instituto como instrumento de tutela da boa-fé, da lealdade e da transparência nas relações jurídicas.

Fundamentação Normativa da ação de prestação de contas

A ação de prestação de contas está disciplinada no Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), especificamente nos arts. 550 a 553, situados na Parte Especial, Livro I, Título III, Capítulo II, dedicado aos procedimentos especiais. A sua previsão normativa é uma continuidade histórica da regulação anteriormente existente no CPC/1973, que tratava da matéria nos arts. 914 a 919.

1. Localização sistemática no CPC/2015

O legislador de 2015 optou por manter a ação de exigir contas como procedimento especial, em razão de suas peculiaridades. Ao contrário das ações comuns, em que a relação processual se forma a partir de um pedido e de uma contestação sobre direito subjetivo individual, aqui há a necessidade de se assegurar um rito bifásico:

  • primeira fase: apuração da existência da obrigação de prestar contas;
  • segunda fase: análise das contas efetivamente apresentadas e eventual apuração de saldo.

Essa dualidade justifica a manutenção do procedimento especial, ainda que o CPC/2015 tenha reduzido o número desses procedimentos em relação ao código anterior.

2. Comparação com o CPC/1973

O CPC/1973 previa o procedimento da ação de prestação de contas nos arts. 914 a 919. A redação antiga era objeto de críticas doutrinárias por sua complexidade e por abrir margem a interpretações divergentes, especialmente no tocante ao ônus de prestar contas e à extensão da sentença.

No CPC/2015, observa-se maior clareza e simplificação. A redação dos arts. 550 a 553:

  • delimita expressamente os prazos para contestação e manifestação;
  • prevê a forma adequada de apresentação das contas (art. 551);
  • confere à sentença que apura o saldo a natureza de título executivo judicial (art. 552);
  • trata de modo específico da prestação de contas por administradores judiciais e equiparados (art. 553).

Portanto, há uma evolução na técnica legislativa, com ênfase na efetividade processual e na segurança jurídica.

3. Análise dos dispositivos legais

  • Art. 550: assegura ao titular do direito o ajuizamento da ação, fixando o prazo de 15 dias para o réu prestar contas ou contestar. Regulamenta a impugnação das contas e estabelece as consequências da revelia.
  • Art. 551: dispõe sobre a forma adequada de apresentação das contas, tanto pelo réu quanto, em certas hipóteses, pelo autor. Reforça a necessidade de instrução documental.
  • Art. 552: prevê que a sentença, ao apurar o saldo, constitui título executivo judicial, dispensando ação autônoma de execução.
  • Art. 553: disciplina casos específicos de administradores judiciais e extrajudiciais (inventariante, tutor, curador, depositário), estabelecendo sanções rigorosas para o inadimplemento, como destituição e sequestro de bens.

4. Natureza jurídica da ação de prestação de contas

A ação de prestação de contas possui natureza dúplice: é simultaneamente uma ação de conhecimento (na primeira fase, ao reconhecer ou não o dever de prestar contas) e uma ação de condenação (na segunda fase, ao apurar saldo e constituir título executivo). Essa característica é reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência, que destacam o caráter híbrido do procedimento.

Em síntese, a fundamentação normativa do CPC/2015 não apenas preservou a ação de prestação de contas, mas aprimorou sua estrutura, reforçando sua função de instrumento de transparência e responsabilização patrimonial.

ação de prestação de contas

Estrutura do Procedimento

A ação de exigir contas, por sua natureza especial, segue rito próprio no CPC/2015, caracterizado por sua bifasicidade. A peculiaridade reside no fato de que o processo se desdobra em duas etapas sucessivas e autônomas, cada uma com objeto e efeitos distintos.

1. Primeira fase – verificação do dever de prestar contas (art. 550, CPC/2015)

Na fase inicial, o processo se concentra em definir se o réu está obrigado, ou não, a prestar contas ao autor.

  • Petição inicial: o autor deve indicar, de forma fundamentada, as razões que justificam a exigência das contas, instruindo a peça com documentos comprobatórios, se existentes (§ 1º).
  • Citação do réu: o réu é citado para, em 15 dias, prestar contas ou apresentar contestação (§ caput).
  • Manifestação do autor: prestadas as contas, o autor terá igual prazo de 15 dias para se manifestar (§ 2º).
  • Impugnação das contas: deve ser fundamentada e específica, com referência expressa aos lançamentos questionados (§ 3º).
  • Revelia: caso o réu não conteste o pedido, aplica-se a regra do art. 355 do CPC, ou seja, julgamento antecipado (§ 4º).
  • Decisão: se julgado procedente o pedido, o juiz condenará o réu a prestar contas em 15 dias, sob pena de não poder impugnar as contas apresentadas pelo autor (§ 5º e 6º).

Natureza: trata-se de uma fase de conhecimento, destinada a reconhecer a obrigação do réu.

2. Segunda fase – apuração das contas e saldo (arts. 551 e 552, CPC/2015)

Superada a primeira fase, passa-se à análise do conteúdo das contas.

  • Forma de apresentação: as contas devem ser apresentadas de forma adequada, com discriminação de receitas, despesas e investimentos, devidamente instruídas com documentos comprobatórios (art. 551, caput e § 2º).
  • Impugnação do autor: havendo contestação fundamentada aos lançamentos, o juiz pode determinar prazo para que o réu apresente documentos justificativos (art. 551, § 1º).
  • Apuração do saldo: após a análise, a sentença fixará eventual crédito ou débito entre as partes.
  • Título executivo judicial: a decisão que apura o saldo constitui título executivo judicial, permitindo execução imediata (art. 552).

Natureza: aqui há prevalência de condenação, pois o saldo gera obrigação exequível.

3. Hipóteses especiais – administradores e equiparados (art. 553, CPC/2015)

O CPC/2015 trata ainda das contas de sujeitos que atuam como administradores de bens ou interesses alheios em processos judiciais: inventariante, tutor, curador, depositário e outros administradores.

  • Prestação em apenso: as contas devem ser prestadas em apenso aos autos do processo em que houve a nomeação (art. 553, caput).
  • Sanções: caso condenado ao pagamento do saldo e não o faça no prazo legal, o juiz poderá:
    • destituí-lo da função;
    • sequestrar os bens sob sua guarda;
    • glosar prêmios ou gratificações a que teria direito;
    • adotar outras medidas executivas necessárias à recomposição do prejuízo (art. 553, parágrafo único).

Natureza: reforço do caráter de responsabilização fiduciária, especialmente em funções de confiança ligadas à administração judicial.

4. Síntese esquemática do rito da ação de prestação de contas

  1. Petição inicial → autor expõe razões e documentos (art. 550, § 1º).
  2. Citação do réu → para contestar ou prestar contas em 15 dias (art. 550, caput).
  3. Prestação de contas → autor se manifesta em 15 dias (art. 550, § 2º).
  4. Impugnação → deve ser fundamentada e específica (art. 550, § 3º).
  5. Decisão sobre o dever de prestar contas → juiz determina apresentação sob pena de preclusão (art. 550, §§ 5º-6º).
  6. Apresentação formal das contas → receitas, despesas, investimentos, documentos (art. 551).
  7. Análise judicial e sentença → saldo apurado constitui título executivo judicial (art. 552).
  8. Hipóteses especiais → inventariante, tutor, curador, depositário, com sanções reforçadas (art. 553).

Natureza Jurídica da Sentença na Ação de Exigir Contas

A sentença proferida na ação de prestação de contas possui natureza jurídica complexa e híbrida, em razão da estrutura bifásica do procedimento. Ela não se limita a um único efeito jurídico, mas pode reunir características de decisão declaratória, condenatória e até constitutiva, conforme o momento e o conteúdo analisado.

1. Primeira fase – Sentença declaratória

Na primeira etapa, a decisão judicial tem natureza declaratória, pois se limita a reconhecer se existe ou não o dever de prestar contas.

  • Se o juiz julgar improcedente o pedido, reconhece que o réu não tem obrigação de prestar contas ao autor.
  • Se julgar procedente, declara a existência dessa obrigação e determina a continuidade do processo, impondo ao réu a apresentação das contas.

Portanto, trata-se de uma sentença que, em essência, declara a existência da relação jurídica obrigacional de prestação de contas.

2. Segunda fase – Sentença condenatória

Na segunda etapa, o juiz aprecia as contas apresentadas (pelo réu ou pelo autor, na hipótese do art. 550, § 6º) e apura o saldo credor ou devedor.

  • A decisão final não apenas declara, mas também condena ao pagamento do valor devido.
  • O art. 552 do CPC/2015 é expresso ao afirmar que a sentença que apura o saldo “constituirá título executivo judicial”.

Isso significa que a decisão possui natureza condenatória com eficácia executiva imediata, dispensando ação autônoma de execução.

3. Caráter constitutivo (dimensão residual)

Em hipóteses excepcionais, a sentença pode assumir efeito constitutivo, especialmente nos casos previstos no art. 553 (inventariante, tutor, curador, depositário). Quando o juiz destitui o administrador ou determina medidas de sequestro e recomposição patrimonial, há alteração da situação jurídica até então existente.

Embora não seja a regra, pode-se reconhecer um caráter constitutivo residual nessas situações.

4. Síntese doutrinária e jurisprudencial da ação de prestação de contas

A doutrina majoritária (Fredie Didier Jr., Daniel Amorim Assumpção Neves, Humberto Theodoro Jr.) entende que a sentença da ação de exigir contas é dupla:

  • declaratória, na primeira fase;
  • condenatória, na segunda fase.

O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, confirma esse entendimento, afirmando que a decisão final “não apenas reconhece a existência de obrigação, mas apura o quantum devido e permite execução imediata” (ex.: STJ, REsp 1.174.620/PR, 2ª Turma).

5. Conclusão sobre a natureza jurídica

A sentença na ação de prestação de contas é dotada de natureza multifacetada:

  • Declaratória: reconhece o dever de prestar contas;
  • Condenatória: apura saldo e impõe pagamento, com força de título executivo judicial;
  • Constitutiva (residual): quando interfere na situação jurídica do administrador de bens alheios, destituindo-o ou restringindo direitos.

Esse regime híbrido reflete a própria lógica do procedimento especial, que conjuga transparência, responsabilização e efetividade executiva em um mesmo processo.

ação de prestação de contas

Jurisprudência Relevante

A interpretação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem papel essencial na delimitação do alcance da ação de exigir contas. A seguir, destacam-se os principais pontos sedimentados, com referência a precedentes paradigmáticos.

1. Interesse de agir e legitimidade

  • O STJ entende que o interesse de agir na ação de prestação de contas surge sempre que alguém, na qualidade de titular de um direito ou patrimônio administrado por terceiro, necessite fiscalizar a gestão.
  • Exemplo: em contratos de mandato, sociedades, condomínio, inventário, tutela, curatela, há legitimidade para propor a ação.
  • Precedente:
    • “É cabível a ação de exigir contas sempre que houver relação jurídica que imponha a uma das partes o dever de prestar contas à outra.” (STJ, REsp 1.159.212/RS, 3ª Turma).

2. Relações bancárias e ação de prestação de contas

  • Frequentemente, a ação é utilizada contra instituições financeiras.
  • O STJ admite a utilização da ação de exigir contas para apuração de saldo em contratos bancários, desde que demonstrado o vínculo contratual e a necessidade de fiscalização.
  • Precedente:
    • “É cabível ação de prestação de contas proposta por correntista em face de instituição financeira, para verificação de movimentações bancárias.” (STJ, REsp 1.127.815/PR, 2ª Seção).

3. Bifasicidade do procedimento

  • A jurisprudência reforça a natureza bifásica:
    • primeira fase → existência da obrigação;
    • segunda fase → apuração de saldo.
  • Precedente:
    • “A ação de prestação de contas desenvolve-se em duas fases distintas, sendo que apenas na segunda haverá análise de eventual saldo credor ou devedor.” (STJ, AgInt no AREsp 1.203.116/SP, 4ª Turma).

4. Forma de apresentação das contas

  • O STJ exige que as contas sejam apresentadas de maneira discriminada e documentalmente comprovada, não se admitindo a simples juntada de extratos genéricos ou demonstrativos unilaterais.
  • Precedente:
    • “As contas devem ser apresentadas em forma mercantil, discriminadas, com documentos comprobatórios, não bastando planilhas genéricas.” (STJ, REsp 1.149.232/SP, 3ª Turma).

5. Natureza da sentença e título executivo judicial

  • A Corte consolidou o entendimento de que a sentença que apura o saldo constitui título executivo judicial, nos termos do art. 552 do CPC/2015.
  • Precedente:
    • “A sentença proferida em ação de prestação de contas, ao apurar saldo, possui natureza condenatória e constitui título executivo judicial.” (STJ, REsp 1.174.620/PR, 2ª Turma).

6. Revelia e efeitos na ação de prestação de contas

  • O STJ entende que a ausência de contestação pelo réu na primeira fase permite o julgamento antecipado, nos termos do art. 355 do CPC.
  • Contudo, não implica necessariamente confissão quanto à existência de saldo, mas apenas reconhecimento do dever de prestar contas.
  • Precedente:
    • “A revelia em ação de prestação de contas não importa reconhecimento de eventual saldo devedor, mas apenas do dever de prestar contas.” (STJ, AgInt no REsp 1.611.683/SP, 4ª Turma).

7. Administradores judiciais e equiparados

  • Em relação a inventariantes, tutores, curadores e depositários, o STJ reafirma a possibilidade de destituição e responsabilização patrimonial diante do descumprimento da obrigação.
  • Precedente:
    • “É legítima a destituição do inventariante que não presta contas quando exigido, configurando violação de dever fiduciário.” (STJ, REsp 1.249.544/MG, 3ª Turma).

Síntese jurisprudencial

A jurisprudência do STJ:

  • consolida a bifasicidade do rito;
  • reafirma o caráter de título executivo judicial da sentença;
  • reconhece a legitimidade ampla do uso da ação, inclusive em relações bancárias;
  • impõe rigor quanto à forma de apresentação das contas;
  • distingue claramente os efeitos da revelia.

Doutrina na ação de prestação de contas

A doutrina processual civil brasileira tem dedicado atenção especial à ação de exigir contas, tanto em razão de sua história consolidada no sistema processual quanto pelas novidades introduzidas pelo CPC/2015. A seguir, destacam-se algumas posições relevantes.

1. Fredie Didier Jr.

Didier Jr. enfatiza a bifasicidade do procedimento como elemento nuclear da ação. Para ele, a primeira fase possui natureza declaratória, enquanto a segunda fase assume natureza condenatória, pois nela se apura o saldo e se constitui título executivo judicial.

Ele também ressalta a importância do ônus da prova: cabe ao réu apresentar as contas de forma clara e documentada; caso não o faça, abre-se ao autor a possibilidade de apresentá-las, ainda que unilateralmente, ficando o juiz livre para determinar perícia contábil.

“A ação de prestação de contas é instrumento de fiscalização da gestão de negócios alheios, assegurando transparência e permitindo a recomposição de eventual saldo devedor.” (Curso de Direito Processual Civil, v. 4).

2. Humberto Theodoro Júnior

Theodoro Jr. sublinha a finalidade fiduciária da ação: trata-se de meio processual típico de situações em que há administração de bens ou interesses de terceiros, devendo prevalecer o princípio da boa-fé objetiva.

Ele observa que a decisão final dispensa ação autônoma de execução, pois o art. 552 do CPC já atribui natureza de título executivo à sentença. Isso revela a preocupação do legislador em dar celeridade e efetividade ao procedimento.

“A sentença na ação de prestação de contas encerra dupla função: declaratória, ao reconhecer o dever de prestar contas, e condenatória, ao fixar o saldo como obrigação exequível.” (Curso de Direito Processual Civil, v. 2).

3. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery

Os Nery ressaltam que a ação de prestação de contas é cabível sempre que houver vínculo obrigacional que imponha dever de administração e fiscalização, como no mandato, na sociedade, no condomínio, na curatela e no inventário.

Eles destacam que a impugnação deve ser específica, sob pena de aceitação tácita das contas apresentadas. Essa exigência garante a seriedade do contraditório e evita impugnações genéricas e protelatórias.

“A ação de exigir contas é típica expressão do princípio da cooperação processual, impondo às partes o dever de atuar com clareza, objetividade e lealdade.” (Código de Processo Civil Comentado).

4. Daniel Amorim Assumpção Neves

Daniel Amorim dedica especial atenção à legitimidade ativa e à necessidade de interesse de agir. Para ele, não basta alegar genericamente a existência de administração de bens; é preciso demonstrar a utilidade prática da ação para a apuração de saldo.

Ele também discute a possibilidade de utilização da ação em relações bancárias, ressaltando que, embora o STJ tenha ampliado sua aplicação, deve-se tomar cuidado para não transformar a ação de exigir contas em substitutivo da ação revisional.

“A utilização da ação de prestação de contas em contratos bancários exige cuidado, sob pena de se transformar em via oblíqua de revisão contratual.” (Manual de Direito Processual Civil).

5. Questões doutrinárias controvertidas

A doutrina ainda debate alguns pontos:

  • Necessidade de interpelação extrajudicial prévia: parte da doutrina defende que é recomendável, mas não obrigatória.
  • Cabimento de contas parciais: há divergência sobre a possibilidade de exigir contas apenas de determinado período.
  • Compatibilidade com arbitragem: discute-se se a cláusula compromissória pode afastar a ação judicial de exigir contas.
  • Revelia: alguns autores defendem que ela apenas reconhece o dever de prestar contas, não o saldo devedor, posição que converge com a jurisprudência do STJ.

Síntese doutrinária da ação de prestação de contas

A doutrina converge em três pontos principais:

  1. A ação de prestação de contas é instrumento de transparência e fiscalização nas relações de administração de bens alheios.
  2. O procedimento é bifásico, com sentença declaratória na primeira fase e condenatória/executiva na segunda.
  3. O CPC/2015 trouxe avanços ao conferir maior clareza, efetividade e celeridade, embora persistam controvérsias quanto a hipóteses específicas de cabimento.

ação de prestação de contas

Questões Controvertidas da ação de prestação de contas

Embora o CPC/2015 tenha buscado conferir maior clareza ao procedimento da ação de prestação de contas, diversos aspectos permanecem objeto de intenso debate acadêmico e jurisprudencial. Essas controvérsias refletem tanto a complexidade das relações jurídicas que envolvem administração de bens de terceiros quanto as lacunas e ambiguidades legislativas.

1. Necessidade de interpelação extrajudicial prévia

  • Tese a favor: parte da doutrina sustenta que o ajuizamento da ação só seria legítimo após a tentativa de exigir as contas extrajudicialmente, em respeito ao princípio da economia processual.
  • Tese contrária (majoritária): a maioria dos autores e o STJ entendem que não há exigência legal de interpelação prévia, bastando a existência da relação jurídica que imponha o dever de prestar contas.
  • Precedente: “A interpelação extrajudicial não constitui requisito para a propositura da ação de prestação de contas.” (STJ, AgRg no REsp 1.186.844/RS).

2. Contas parciais ou periódicas

  • Ponto de divergência: pode o autor exigir contas apenas de um período específico (ex.: um ano de administração) ou deve abranger toda a relação contratual?
  • Tese restritiva: alguns autores defendem que a prestação deve ser integral, abrangendo toda a relação jurídica, sob pena de fragmentar o procedimento.
  • Tese ampliativa: outros entendem ser possível a exigência de contas parciais ou periódicas, sobretudo quando a relação é de longa duração (ex.: contratos bancários, inventários complexos, sociedades).

3. Uso em contratos bancários

  • Cabimento reconhecido: o STJ admite a ação de prestação de contas em contratos bancários, sobretudo de conta corrente, permitindo ao correntista fiscalizar a movimentação.
  • Controvérsia doutrinária: parte da doutrina alerta para o risco de transformar a ação em sucedâneo da ação revisional, distorcendo sua finalidade.
  • Síntese: cabível para fiscalização e apuração de saldo; inadequada para discutir validade de cláusulas contratuais ou encargos abusivos.

4. Efeitos da revelia (art. 550, § 4º)

  • Questão: a falta de contestação pelo réu implica apenas reconhecimento do dever de prestar contas, ou também aceitação tácita de eventual saldo devedor?
  • Doutrina e STJ: prevalece o entendimento de que a revelia gera apenas reconhecimento da obrigação de prestar contas, mas não de eventual saldo (STJ, AgInt no REsp 1.611.683/SP).
  • Risco prático: evitar interpretações que prejudiquem o contraditório na segunda fase.

5. Compatibilidade com a arbitragem

  • Tese afirmativa: quando houver cláusula compromissória, a ação de prestação de contas deve ser submetida ao tribunal arbitral, em razão do princípio da autonomia da vontade.
  • Tese negativa: parte da doutrina defende que, por se tratar de procedimento típico do CPC, a via arbitral não seria a mais adequada.
  • Posição intermediária: admite-se a arbitragem quando a relação contratual abranger esse tipo de controvérsia, desde que a cláusula compromissória seja expressa e abrangente.

6. Prestação unilateral das contas pelo autor (art. 550, § 6º)

  • Debate: até que ponto é legítimo que o autor apresente contas em substituição ao réu omisso?
  • Doutrina favorável: trata-se de mecanismo de efetividade, evitando a paralisação do processo.
  • Doutrina crítica: questiona-se a imparcialidade das contas apresentadas pela parte interessada, sendo indispensável perícia judicial em tais casos.

Síntese das controvérsias na ação de prestação de contas

  • A ação não exige interpelação prévia.
  • É controvertido se pode ser usada para exigir contas parciais.
  • Nas relações bancárias, é admitida, mas não deve substituir a ação revisional.
  • A revelia reconhece apenas o dever de prestar contas, não o saldo.
  • A arbitragem é admitida quando pactuada.
  • A prestação unilateral das contas pelo autor exige cautela e, em regra, perícia contábil.

Repercussões Práticas

A ação de prestação de contas, embora de estrutura processual peculiar, apresenta enorme relevância no cotidiano forense. A sua presença é notória em diversos ramos do direito, funcionando como instrumento de transparência, fiscalização e responsabilização.

1. Inventários e administração de herança

  • O inventariante, nomeado para gerir os bens do espólio, pode ser compelido a prestar contas por herdeiros ou demais interessados.
  • O art. 553 do CPC reforça a obrigatoriedade, prevendo sanções severas em caso de descumprimento (destituição, sequestro de bens, glosa de gratificação).
  • Impacto prático: preserva a lisura da administração da herança e protege o direito dos herdeiros contra má gestão.

2. Tutela, curatela e guarda e ação de prestação de contas

  • Tutores e curadores, enquanto administradores do patrimônio de incapazes, estão sujeitos à prestação periódica de contas.
  • O descumprimento pode levar à destituição da função e responsabilização patrimonial.
  • Impacto prático: salvaguarda interesses de pessoas vulneráveis, impedindo dilapidação patrimonial.

3. Condomínios edilícios e ação de prestação de contas

  • Síndicos e administradoras de condomínio são frequentemente demandados em ações de exigir contas.
  • A ação garante aos condôminos transparência na arrecadação de taxas, aplicação de despesas e manutenção patrimonial.
  • Impacto prático: evita abusos de gestão, amplia a participação dos condôminos e reduz conflitos internos.

4. Relações societárias e empresariais

  • Sócios minoritários podem exigir contas de administradores ou sócios gestores.
  • O uso da ação é recorrente em sociedades limitadas, associações e fundações.
  • Impacto prático: promove governança e controle interno, reduzindo risco de fraudes e má gestão.

5. Relações contratuais fiduciárias e ação de prestação de contas

  • Mandatos, parcerias e contratos de gestão frequentemente geram a necessidade de exigir contas.
  • A ação pode ser usada por mandantes contra mandatários, parceiros comerciais e procuradores que movimentem bens alheios.
  • Impacto prático: amplia a proteção contra abusos em contratos de confiança.

6. Instituições financeiras e ação de prestação de contas

  • A ação de prestação de contas é instrumento tradicional para correntistas fiscalizarem movimentações em contas bancárias.
  • Embora não substitua a ação revisional, serve para apurar saldo e identificar eventuais irregularidades.
  • Impacto prático: assegura ao consumidor acesso à informação e fiscalização da relação contratual.

7. Administração pública e entidades sem fins lucrativos

  • Pode ser utilizada para fiscalizar agentes públicos, entidades conveniadas ou gestores de verbas públicas, desde que haja vínculo jurídico que imponha o dever de prestar contas.
  • Impacto prático: reforça a accountability, funcionando como mecanismo auxiliar ao controle institucional exercido pelos Tribunais de Contas.

Síntese prática da ação de prestação de contas

A ação de prestação de contas, apesar de tecnicamente situada como procedimento especial no CPC/2015, constitui ferramenta indispensável para a efetividade da boa-fé e da transparência em múltiplos contextos:

  • preserva o patrimônio em inventários;
  • protege vulneráveis em tutelas e curatelas;
  • promove transparência em condomínios;
  • fortalece governança societária;
  • garante fiscalização em relações fiduciárias;
  • assegura direitos de consumidores frente a bancos;
  • auxilia no controle da gestão pública e privada.

Em suma, o instituto, ao permitir a apuração e cobrança de saldos em um mesmo processo, reduz a litigiosidade e favorece a efetividade da jurisdição.

Conclusão

A ação de prestação de contas, prevista nos arts. 550 a 553 do CPC/2015, mantém-se como um dos mais importantes procedimentos especiais do processo civil brasileiro. Sua principal virtude é conjugar, em um mesmo rito, duas funções complementares: de um lado, assegurar a transparência e a fiscalização nas relações de administração de bens ou interesses alheios; de outro, permitir a responsabilização patrimonial do gestor infiel ou inadimplente, mediante a apuração de saldo com eficácia executiva imediata.

O legislador de 2015, ao reformular a disciplina já existente no CPC/1973, buscou dar maior racionalidade ao procedimento, delimitando prazos, reforçando a necessidade de apresentação formal e documentada das contas e atribuindo à sentença a natureza de título executivo judicial. Ao mesmo tempo, criou um regime específico para administradores judiciais e equiparados, com sanções severas em caso de descumprimento.

A análise jurisprudencial demonstra que o Superior Tribunal de Justiça consolidou os principais pontos controvertidos, especialmente no tocante à bifasicidade do rito, à legitimidade ampla do seu manejo (inclusive em relações bancárias), à forma de apresentação das contas e aos efeitos da revelia. A doutrina, por sua vez, tem contribuído para a compreensão de sua natureza híbrida, ora declaratória, ora condenatória, e para o debate de temas polêmicos como a possibilidade de contas parciais, a exigência de interpelação prévia e a compatibilidade com a arbitragem.

Na prática forense, a ação de exigir contas revela-se indispensável em inventários, tutelas, curatelas, condomínios, sociedades, contratos fiduciários e relações de consumo com instituições financeiras. Em todos esses cenários, ela atua como mecanismo de efetividade da boa-fé objetiva e da lealdade processual, evitando o prolongamento desnecessário de litígios e promovendo a recomposição célere de saldos devidos.

Conclui-se, assim, que a ação de exigir contas não apenas preserva sua atualidade no CPC/2015, como também se mostra um verdadeiro instrumento de governança e controle jurídico, garantindo que relações de confiança e administração patrimonial sejam permeadas pela transparência e pela responsabilização. Sua utilização criteriosa, aliada à evolução jurisprudencial e doutrinária, fortalece a tutela jurisdicional e promove maior equilíbrio nas relações privadas e públicas em que há gestão de interesses alheios.

Bibliografia

  • BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

  • BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil (revogado). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jan. 1973.

  • DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 19. ed. Salvador: JusPodivm, 2023.

  • NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 19. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

  • THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 64. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

  • NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2023.

  • STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.174.620/PR. Rel. Min. Herman Benjamin. 2ª Turma. DJe 15/02/2011.

  • STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.127.815/PR. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 2ª Seção. DJe 21/10/2010.

  • STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no REsp 1.611.683/SP. Rel. Min. Raul Araújo. 4ª Turma. DJe 25/10/2017.

  • STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.249.544/MG. Rel. Min. Massami Uyeda. 3ª Turma. DJe 06/12/2011.

E-MAIL: CONTATO@ONALDO.COM.BR

SITE: WWW.ONALDO.COM.BR

TEL: +55 71 99999-6002