Famílias Jurídicas do Direito Comparado

As Famílias Jurídicas do Direito Comparado: uma visão segundo René David

No campo do direito comparado, a classificação dos sistemas jurídicos mundiais é uma ferramenta essencial para compreender as raízes, o funcionamento e as perspectivas futuras do direito em diferentes culturas. Entre os estudiosos que mais influenciaram essa abordagem está René David, jurista francês e autor da obra clássica “Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo”. Em sua análise, David propõe uma divisão dos ordenamentos jurídicos em famílias jurídicas do direito comparado, considerando não apenas critérios técnicos, mas sobretudo fatores culturais, filosóficos e religiosos que moldam o espírito das instituições jurídicas.

Critérios de Classificação

Ao classificar os sistemas jurídicos, René David não se limitou à técnica legislativa ou à organização judicial. Ele considerou como elementos fundamentais:

  • A tradição cultural (ocidental ou não ocidental);
  • A religião dominante (cristianismo, islamismo, budismo, entre outras);
  • A ideologia política (como o socialismo marxista);
  • A estrutura da fonte do direito (costume, jurisprudência, legislação escrita).

Essa abordagem permite uma compreensão mais profunda e abrangente das famílias jurídicas do direito comparado, ao reconhecer que o direito é expressão de uma civilização.

1. Família Romano-Germânica (Civil Law)

Famílias Jurídicas do Direito Comparado

A família romano-germânica, também chamada de sistema da civil law, é fundamentada no direito romano e tem como característica central a codificação escrita. A lei, expressa em códigos civis, penais e comerciais, é a fonte principal do direito. O juiz aplica a norma ao caso concreto, com menor protagonismo na criação jurídica.

Países representativos: França, Alemanha, Itália, Espanha, Brasil, Portugal, Japão, entre outros.

Características:

  • Forte tradição acadêmica e doutrinária;
  • Predominância do direito legislado;
  • Estrutura sistemática dos códigos.

2. Família da Common Law

A família da common law, originária da Inglaterra, baseia-se fortemente na jurisprudência, especialmente nos precedentes obrigatórios (stare decisis). O direito é construído caso a caso, pelos tribunais, com papel ativo do juiz na criação de regras.

Países representativos: Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia.

Características:

  • Precedentes vinculantes como fonte principal;
  • Processo adversarial com forte atuação das partes;
  • Menor ênfase na codificação sistemática.

3. Família Socialista

A família jurídica socialista, ainda que hoje menos presente, teve papel relevante no século XX, sobretudo nos países da antiga URSS e no bloco socialista. Ela era baseada na ideologia marxista-leninista, com o direito subordinado ao Estado e ao partido, com o objetivo de construir o socialismo e eliminar as estruturas do direito burguês.

Países representativos (históricos e atuais): União Soviética, China (em parte), Cuba, Coreia do Norte.

Características:

  • Direito como instrumento de engenharia social;
  • Subordinação ao partido e ao plano econômico centralizado;
  • Abolição da propriedade privada em várias áreas.

4. Famílias Jurídicas Religiosas Famílias Jurídicas do Direito Comparado

Nesta categoria, René David destaca sistemas em que a religião é a fonte principal de direito. Nesses casos, não há separação entre ordem jurídica e ordem religiosa.

a) Direito Islâmico

Baseado na Sharia, que deriva do Alcorão, da Sunna e de interpretações teológicas (fiqh). Aplica-se tanto à esfera pública quanto privada.

Países representativos: Arábia Saudita, Irã, Paquistão, entre outros.

b) Direito Hindu

Baseado em textos sagrados como os Vedas, Dharmaśāstra, com reflexos na vida familiar e nos costumes sociais.

Países representativos: Índia (em parte), Nepal.

c) Direito Hebraico

Baseado na Torá, no Talmude e outras fontes rabínicas. Tem aplicação principalmente em contextos religiosos e pessoais.

País: Israel (em aspectos da vida pessoal e familiar).

Características comuns: Famílias Jurídicas do Direito Comparado

  • Forte enraizamento nas escrituras sagradas;
  • Juristas religiosos (como os imãs, rabinos ou pandits);
  • Dificuldade de adaptação às exigências de um Estado moderno laico.

5. Sistemas do Extremo Oriente

René David também identificou uma categoria particular, especialmente influenciada pelas tradições da China e do Japão, onde o direito não se formou nos moldes ocidentais. Nesses sistemas, o direito codificado foi introduzido por influência externa (ocidental), mas convive com tradições éticas e administrativas próprias, como o confucionismo.

Países representativos: China, Japão, Coreia do Sul, Vietnã.

Características:

  • Direito como instrumento de harmonia social, mais que de coerção;
  • Forte influência de normas éticas e administrativas;
  • Codificação recente e muitas vezes adaptada de modelos europeus.

Famílias Jurídicas do Direito Comparado

Considerações Finais Famílias Jurídicas do Direito Comparado

A classificação das famílias jurídicas do direito comparado, segundo René David, revela a profunda conexão entre direito, cultura e civilização. Compreender essas famílias é essencial para juristas, diplomatas, acadêmicos e legisladores que atuam num mundo globalizado e cada vez mais interdependente. Mais do que categorias técnicas, elas são expressões vivas dos valores e da história de cada povo.

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados

ONALDO ROSA DE FIGUEIREDO – ADVOGADO SALVADOR BAHIA