apostas online

 

Apostas Online no Brasil: Desafios Jurídicos, Regulação e Impactos Sociais

Introdução

O mercado de apostas online no Brasil cresceu de maneira exponencial nos últimos anos, impulsionado pela digitalização dos serviços, pela popularização das plataformas de jogos e pela ausência de uma regulamentação eficaz até recentemente. Com o início do regime regulado das apostas esportivas em janeiro de 2025, o país passou a enfrentar novos desafios jurídicos, regulatórios e sociais. A Portaria SPA/MF nº 566/2025, os relatórios do IBICT e os debates parlamentares demonstram a complexidade do tema. Este artigo visa analisar, sob a ótica jurídica, os principais aspectos legais que envolvem as apostas online, os mecanismos de controle estatal e as repercussões sociais e econômicas da atividade.

1. Regulação das Apostas Online e a Portaria SPA/MF nº 566/2025

O principal marco recente no processo de regulação das apostas online no Brasil é a Portaria SPA/MF nº 566/2025. Esta norma impõe às instituições financeiras e de pagamento a obrigação de recusar abertura de contas para plataformas ilegais de apostas e de reportar operações suspeitas à Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) no prazo de até 24 horas. Essa obrigação se alinha à Lei nº 9.613/1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro), ao exigir mecanismos de compliance financeiro e integração com o sistema de controle de atividades ilícitas.

Além disso, a portaria configura uma responsabilização objetiva das instituições por eventual conivência com atividades ilegais, o que pode ensejar sanções administrativas severas, inclusive multas que ultrapassam os R$ 2 bilhões.

2. O Marco Legal das Apostas Online no Brasil

Até a Lei nº 13.756/2018, as apostas de quota fixa não eram autorizadas no Brasil. Com essa lei, criou-se a base legal para sua exploração comercial, que só foi efetivada com a regulamentação iniciada em 2023 e consolidada em 2025. As apostas online foram inseridas como um segmento econômico passível de concessão e fiscalização, mas ainda enfrentam a resistência de um mercado clandestino altamente lucrativo e tecnicamente avançado.

A regulamentação atual visa garantir:

  • segurança jurídica ao apostador;
  • arrecadação tributária ao Estado;
  • integridade das competições esportivas;
  • proteção contra fraudes e vícios comportamentais, como a ludopatia.

3. Apostas Online e Lavagem de Dinheiro

O setor de apostas online representa um ambiente propício para lavagem de dinheiro devido à alta circulação de valores, anonimato relativo e múltiplas transações transfronteiriças. Segundo o GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), jogos de azar estão entre os principais meios utilizados para disfarçar a origem ilícita de recursos.

A resposta normativa brasileira inclui:

  • dever de diligência e identificação de clientes (Know Your Customer – KYC);
  • comunicação obrigatória de operações atípicas à COAF;
  • bloqueio e suspensão de contas suspeitas em conformidade com a Portaria nº 566/2025.

4. Responsabilidade das Plataformas e dos Influenciadores

As apostas online são frequentemente divulgadas por influenciadores digitais, inclusive para públicos vulneráveis. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) impõem responsabilidade solidária por práticas abusivas ou enganosas. Quando a publicidade é dirigida a menores ou promove benefícios irreais, viola-se o princípio da boa-fé objetiva e a proteção especial à criança e ao adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990).

Plataformas e influenciadores podem ser responsabilizados civil e administrativamente por:

  • danos materiais decorrentes de endividamento;
  • danos morais em casos de vício em jogos;
  • propaganda enganosa e omissão de riscos.

5. Impactos Sociais e Direitos Difusos

O relatório do IBICT revela que as apostas online afetam gravemente públicos vulneráveis, especialmente jovens e beneficiários de programas sociais. A normalização cultural das apostas como meio de enriquecimento rápido mascara os riscos financeiros e psicológicos. Tal contexto configura uma violação aos direitos difusos e coletivos, ensejando a atuação do Ministério Público, da Defensoria Pública e das entidades civis legitimadas, com fundamento no artigo 81 do CDC.

A judicialização desses conflitos pode se dar por meio de:

  • ações civis públicas;
  • termos de ajustamento de conduta;
  • medidas cautelares para bloquear sites e perfis em redes sociais.

6. Mercado Legal x Mercado Ilegal

Ainda que o mercado regulado movimente entre R$ 20 e R$ 30 bilhões por mês, o mercado ilegal de apostas online é estimado em R$ 350 milhões nos dois primeiros meses de 2025, com destaque para grupos no Telegram com milhões de usuários. A persistência desse mercado clandestino revela falhas na fiscalização e na integração de dados entre órgãos de controle.

As dificuldades incluem:

  • anonimato em criptoativos;
  • ausência de cooperação internacional eficaz;
  • lentidão no bloqueio judicial de plataformas ilegais.

7. Medidas Protetivas e Recomendações Jurídicas

Para um combate eficiente às práticas nocivas no setor de apostas online, é necessário um sistema jurídico integrado que envolva:

  1. Educação digital: campanhas de conscientização sobre os riscos das apostas, especialmente em escolas.
  2. Regulação técnica: normas claras sobre funcionamento, odds, prêmios, e uso de IA em plataformas.
  3. Responsabilização civil: ampliação dos deveres de transparência e de prevenção por parte das plataformas.
  4. Interoperabilidade institucional: cooperação entre Banco Central, COAF, Polícia Federal e Anatel.
  5. Fiscalização algorítmica: uso de tecnologias para rastrear pagamentos, IPs e padrões de acesso.

Conclusão

O cenário brasileiro de apostas online representa um paradoxo jurídico e social. Por um lado, há um esforço regulatório robusto e promissor, com potencial de arrecadação e organização institucional. Por outro, o crescimento do mercado clandestino, os danos aos consumidores e a fragilidade das medidas de fiscalização indicam que os desafios ainda são profundos.

A consolidação de um marco regulatório eficaz depende não apenas de leis rígidas, mas de uma cultura jurídica e social que compreenda os perigos e as possibilidades desse mercado. O direito brasileiro, portanto, deve evoluir para proteger o interesse público, os direitos difusos e a dignidade do consumidor diante das seduções e armadilhas do jogo digital.

Portaria SPA/MF nº 566/2025

ONALDO ROSA DE FIGUEIREDO